sábado, 30 de março de 2013

Casca vazia



         Jeremias nasceu com problemas físicos e mentais. Com 12 anos, ainda estava na 2ª série, aparentemente sem condições de aprender ou assimilar nada.
         Sua professora Doris, frequentemente se exasperava com ele. Ele se contorcia no seu lugar, babava e emitia gemidos e grunhidos. Às vezes, ele falava claramente, como se um raio de luz houvesse invadido seu cérebro. A maior parte do tempo, no entanto, Jeremias irritava sua professora. 
         Um dia, ela chamou seus pais e expôs a situação: “Jeremias deve frequentar uma escola especial. Não é justo que ele fique com crianças cinco anos mais novas. Isso não é bom para ele.” – tentou explicar Doris
         Luísa Pereira, mãe de Jeremias, limitou-se a chorar enquanto seu esposo falava:
         - “Srta Doris, disse ele, não há nenhuma escola especial por aqui. Será um terrível choque para ele se nós dissermos que vamos tirá-lo da escola. E nós sabemos: Jeremias gosta muito daqui.”
         Depois que os Pereira foram embora, Doris sentou-se e ficou olhando, pela janela, a chuva que caía lá fora. Parecia que o frio penetrara sua alma. Ela queria ter simpatia pelos Pereira, mas como? Além disso, Jeremias tinha uma doença terminal, não era justo mantê-lo na classe, pensava ela. Havia mais 18 crianças a ensinar, e Jeremias as distraía com seu jeito. E ele jamais aprenderia a ler e a escrever como as outras crianças. Por que ficar perdendo tempo?
         Enquanto ponderava sobre a situação, Doris sentiu-se culpada e exclamou em voz alta: - “Oh Deus, eu aqui me queixando, mas meus problemas são não comparados com os dessa família! Por favor, me ajude a ser mais paciente com Jeremias.”
         Daquele dia em diante, ela tentou ignorar a distração e os grunhidos de Jeremias. Então, um dia, ele veio mancando e arrastando uma perna naquele seu andar torto, chegou à mesa da professora e disse em voz alta para toda classe ouvir:
       - “Eu amo você, Srta. Doris.”
       Todas as crianças riram, e a professora com face vermelha, gaguejou:
        - “Q-q-q-que bom, Jeremias, m-m-mas agora vá sentar.”
        A Páscoa chegou e as crianças falavam ansiosas sobre a proximidade da festa. Doris contou às crianças a história de Jeus e, no final, contou a história da ressurreição. Ela explicou que Páscoa é a festa da ressurreição e que Páscoa significa vida nova e simboliza esperança. No fim de suas explanações, deu a cada uma das crianças um ovo de plástico; como tarefa de casa, todos deveriam trazer dentro do ovo algo que representasse vida nova.
         “- Vocês entenderam? – perguntou Doris – e todas as crianças responderam “sim” com entusiasmo, menos, é claro, Jeremias. Não fez seus costumeiros grunhidos. Teria ele entendido sobre a morte e ressurreição de Jesus? Teria ele entendido a tarefa de casa?
         Doris pensou em telefonar aos Pereira, mas acabou esquecendo.
         Na manhã seguinte, 19 crianças depositaram os ovos de plástico numa cesta, na mesa da professora. Após a lição de Matemática, Dóris começou a abrir os ovinhos. Primeiro, havia uma flor. Certamente simbolizada o desabrochar de uma nova vida. Uma garotinha na primeira fila levantava o braço, dizendo, toda orgulhosa, que a flor era dela.
         O segundo ovinho aberto continha uma borboleta. Doris explicou que a lagarta faz o casulo e, ao se transformar em uma borboleta, sai para uma vida nova.
         O terceiro ovinho continha uma pedra com musgos. João, o garotinho que a trouxera explicou que, mesmo em meio à pedras, nós podemos encontrar vida nova.  “Meu pai me ensinou.” – disse ele orgulhoso.
         O quarto ovinho... Doris respirou fundo. Estava vazio. “Deve ser de Jeremias”, pensou. “Ele não entendeu e eu esqueci de ligar aos pais.” Para não deixá-lo embaraçado, ela disfarçou e pôs o ovinho na cesta.
Porém Jeremias falou: “Srta Doris, você não vai falar sobre o ovinho que eu trouxe?”
         A professora respondeu:
         - Mas está vazio!
         Ele olhou bem no fundo dos olhos dela e disse suavemente:
         - “Sim, mas a sepultura de Jesus também estava vazia.”
         O tempo pareceu parar. O sinal tocou e as crianças saíram apressadas para o recreio.
         Doris então perguntou a Jeremias:
         - “Você sabe porque a sepultura de Jesus estava vazia?”
         Ele respondeu:
         - “Ele foi morto e colocado lá. Mas seu Pai o ressuscitou, e para todos que nele creem, a sepultura vai ficar assim, vazia!”
         Depois que Jeremias saiu, Doris chorou muito. Aquela frieza de seu coração havia derretido completamente.
         Três meses mais tarde, Jeremias morreu. Todas as pessoas que foram prestar as condolências à família Pereira ficaram surpresas ao ver, sobre o caixão, 19 casquinhas de ovos – vazias. E junto estava escrito:

“Jeremias, um dia a sua sepultura também vai ficar vazia.”

Fonte: Waskow, Vera Regina. Hagsma, Alfredo Jorge. Celebrar Páscoa em família e comunidade. São Leopoldo, Sinodal, 2008.

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